Há trinta dias, iniciei um projeto que nasceu do desejo de escutar mais fundo, de atravessar os meus próprios silêncios e reconhecer as marcas que habitam o meu corpo. Chamei de Projeto Autônomo de Pesquisa, um caminho independente dos formatos institucionais, mas ainda assim rigoroso.
O primeiro mês, que chamei de Fundação, foi sobre criar raízes antes de buscar o céu. Revisei textos e autores que se tornaram meus alicerces, enquanto abri espaço para novas práticas e percepções.
Iniciei este projeto de pesquisa autônoma sem um mapa, mas com um chamado. Foi no dia 30 de junho que a intuição me levou a reencontrar um nome: Neusa Santos Souza.
Naquele dia, enquanto ouvia uma aula sobre Gestalt-terapia e Esquizoanálise, a ideia de “Tornar-se negro” surgiu como um farol. Senti que esse era o ponto de partida para uma jornada que integraria corpo, subjetividade, racismo, espiritualidade e desejo.
Fragmentos do Percurso
Esse primeiro mês foi um mergulho profundo, e as anotações do meu diário reflexivo são as pistas que mostram o caminho desta jornada de autoconhecimento.
30/06 – Diário Reflexivo
“Hoje ouvi novamente a aula de Gestalt-terapia e depois fui movida a ouvir novamente a aula de Esquizoanálise. O título de um livro me remeteu ao Tornar-se negro. Qual é o caminho que está se abrindo para mim?”
Essa simples pergunta deu início a tudo.
06/07 – Diário Reflexivo
“O que tem mudado em meu interior é a minha relação com a minha subjetividade e a subjetividade do outro. Como as coisas me atravessam e por que eu quero que o outro as entenda como eu? O quanto em mim busca controle e segurança? Sinto borbulhar a barriga... Fronteiras são muros invisíveis. Só podemos conduzir outras pessoas a locais onde já fomos. Desarmando nossas couraças.”
Essas palavras me ajudaram a perceber a ligação com Reich e Lowen: o corpo guarda as tensões da alma. Quando me dei conta de que até o meu estômago reagia às questões de controle e insegurança, entendi que estava, de fato, no caminho de usar o corpo como lugar de escuta.
09/07 – Diário Reflexivo
“Me abrindo para o novo. Este é meu diário reflexivo. Estou me negando a reler 'Tornar-se negro'. Qual a razão? Como diz Jung, ‘Quem olha para dentro se ilumina’. É tempo de abraçar o eremita, pegar meu lampião e desbravar terras profundas.”
Essa metáfora me guiou durante todo o mês: um chamado para entrar em contato com as minhas sombras e iluminar territórios esquecidos.
Corpo, Racismo e Desejo
Ao reler passagens de Neusa Santos Souza e refletir sobre minhas próprias experiências, fui me dando conta de como o racismo moldou minha relação com o corpo e com o desejo.
Diário Reflexivo
“Como o racismo, o corpo e a subjetividade aparecem na minha história? Aparecem na tentativa de colocar pregador de roupa no nariz para ele afinar, em não usar penteados que me conectam com o povo negro, na busca por ser ‘negra de alma branca’. Percebi que o desejo do outro se tornou mais importante que o meu, uma total desconexão com o meu ser desejante. Tinha medo de desejar. Me anulei no corpo buscando somente o trabalho mental e, mais ainda, o espiritual. Hoje percebo que estava fragmentada.”
Essa fragmentação ecoa diretamente em Fanon e em Reich: um corpo dividido é também um eu dividido. O meu percurso tem sido o de reconstruir essa unidade.
Costurando as Referências
Durante o mês, escrevi três textos que dialogam com este percurso e ajudam a expandir minhas reflexões:
“A Letra Escarlate da Negritude”: Onde compartilho como “Tornar-se negro” me atravessou e marcou o início desta jornada de autoconhecimento.
“O Corpo Fala! Reich, Lowen e Alexander”: Uma reflexão sobre como o corpo guarda memórias e como podemos desarmar nossas couraças.
“O Olhar que Cria o Mundo”: Onde exploro a visão da Cabalá de que a forma como olhamos gera realidades, abrindo ou bloqueando os fluxos da vida.
Esses textos são parte da mesma tessitura que vem sendo costurada: corpo, subjetividade, espiritualidade e libertação.
Conclusão
O Mês 1 foi sobre a fundação da minha pesquisa autônoma. Foi sobre encarar as resistências, acolher as fragmentações e aceitar que este caminho é feito de cortes e emendas, de couraças que se desfazem e de olhares que se abrem. É só o começo, mas já sinto que as raízes foram lançadas.
Agora, me aprofundo em Fanon para pensar o corpo político e as insurgências possíveis.
E para você, que lê este texto, deixo uma pergunta: quais couraças e silêncios você tem carregado no seu corpo e nas suas relações?